
Em 1990, o Brasil estava em um verdadeiro turbilhão. Com a posse de Fernando Collor de Mello como o primeiro presidente eleito pelo voto direto após a ditadura, o país vivia um misto de receio e esperança. Alguns meses depois, a frustração tomou conta com o confisco das poupanças e a hiperinflação ainda ditava a rotina de muitos. Mas, entre tantas incertezas, havia a expectativa de que uma nova era se iniciava. O mercado reabriria para importados, e se falava em modernização da indústria.
Na música, o rock nacional estava em alta com bandas como Barão Vermelho. O sertanejo também ganhava força com duplas como Leandro e Leonardo. No mundo dos esportes, Ayrton Senna nos brindava com momentos de orgulho ao conquistar seu bicampeonato mundial de Fórmula 1 em Suzuka, em plena rivalidade com Alain Prost.
Collor e o primeiro 1.0
A reabertura para importações pegou a indústria automotiva nacional de surpresa. Montadoras, que estavam acostumadas com a proteção de um mercado fechado, levantaram vozes de protesto, principalmente contra Collor, que não hesitava em chamar os carros brasileiros de “carroças”. Irônico, o primeiro a desembarcar foi a russa Lada, trazendo modelos que eram, no mínimo, tão defasados quanto os nossos.
Para contornar a insatisfação, o governo lançou incentivos para os veículos 1.0. O IPI foi reduzido, dando um empurrãozinho para a produção de modelos mais acessíveis. A Fiat, já com o Uno em linha desde 1984, viu nisso uma oportunidade e lançou o Uno Mille.
Até então, o único incentivo fiscal era para motores de até 800 cm³, que beneficiava mais a Gurgel, fabricante conhecida por usar motores a ar derivados da linha Fusca. O BR-800, da Gurgel, em 1988, foi o primeiro carro 100% nacional e tinha um IPI bem reduzido. Com a nova regra, a Fiat agarrou a chance e rapidamente se destacou.
O Mille passou por um verdadeiro regime de emagrecimento para se tornar a versão mais barata do Uno. Perdeu itens como ajustes nos bancos e até saídas de ventilação do painel, que foram tampadas. E quem lembra da adição de apoio de cabeça como opção? O motor 1.0 que equipava o Mille era nada mais que o já conhecido, só que com a potência reduzida para apenas 48,5 cv. Com isso, chegava a 100 km/h em cerca de 21 segundos. Lento? Sem dúvida. Mas o Mille tinha um grande apelo: era novo, acessível e permitiu que milhares de brasileiros conquistassem seu primeiro carro zero.
Dois irmãos
As coisas mudaram em 1997, quando o Palio, um carro mais moderno, provocou perguntas sobre o futuro do Uno. A Fiat não quis deixar seu carro mais antigo de lado e fez modificações, como o Uno SX, que trazia motor 1.0 com injeção eletrônica. Um pouco mais potente, ele oferecia 58 cv e um acabamento ligeiramente mais cuidadoso, sem perder a essência de carro básico.
Outro lançamento foi o Mille Young, que trazia um pacote diferenciado de itens estéticos e funcionais. Era uma versão que agradava aos olhos, mas também oferecia mais conforto ao volante. E assim, a Fiat se viu com dois carros de bom desempenho comercial: o Palio, que conquistava quem queria modernidade, e o enfático Mille, que permanecia fiel ao público que buscava economia e praticidade.
Motor Fire
Em 2001, o Mille ganhou o tão esperado motor 1.0 Fire, que trouxe um fôlego extra ao carrinho. Com 55 cv, o Mille se tornou um queridinho entre empresas de telefonia e frotistas, que adoravam seu custo-benefício. Mais uma vez, a Fiat fez um ajuste de estilo em 2004, dando uma nova cara ao carro e fazendo com que ele parecesse menos antiquado.
Já em 2006, a linha incluiu a motorização flex, que elevaria a potência e ajudaria a prolongar a sua presença no mercado. O Uno Way chegou para surfar na onda dos modelos aventureiros, ganhando uma aparência mais robusta.
Nos últimos anos, melhorias para se adequar a novas regras surgiram, como a versão Economy, que trazia um interior com um economômetro. Era uma forma curiosa de ajudar os motoristas a economizarem.
Em 2010, com o lançamento de uma nova geração do Uno, o Mille parecia estar chegando à sua reta final. E em 2013, ele realmente disse adeus, devido às novas exigências de segurança que não poderiam ser atendidas.
Mas a Fiat não se despediu sem uma homenagem. O modelo Grazie Mille foi lançado, e embora fosse uma série limitada, marcou o fim de uma era.
A paixão pelo Mille é evidente. Hoje, com o foco em SUVs mais modernos, a Fiat pode até estar mudando de direção, mas o legado do Mille vive entre os Autênticos apaixonados por carros. Até quem sabe, a próxima geração do Grande Panda resgate o nome do Uno, trazendo de volta às memórias de uma querida história automobilística.