MPF investiga uso inadequado de verbas anti-enchentes no RS

A gestão do governador Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul, está enfrentando críticas por manter paralisados R$ 6,5 bilhões que deveriam ser destinados a obras de prevenção contra enchentes. A questão foi levantada inicialmente por um veículo de comunicação e, desde então, ganhou destaque em outros meios. O Ministério Público Federal (MPF) já começou a intervir e cobra respostas do governo sobre a situação.

De acordo com o procurador Celso Tres, o governo teria agido ilegalmente ao condicionar a liberação das verbas à apresentação de projetos pelos municípios afetados. Muitos desses municípios, segundo ele, não têm a estrutura necessária para elaborar tais propostas. O procurador argumenta que essa exigência é inadequada, já que os rios, onde ocorrem as enchentes, são de responsabilidade do Estado.

Além de ser considerada ilegal, essa decisão pode trazer consequências sérias. Com a paralisação das obras, a manutenção e ampliação de diques — estruturas fundamentais para conter a força das águas — não foram realizadas. Esses diques já mostraram fragilidades em enchentes recentes, como aconteceu na Região Metropolitana de Porto Alegre em 2024.

O procurador também fez uma comparação com o Nordeste, referindo-se ao impacto das enchentes no Rio Grande do Sul. Ele observou que o estado está se tornando uma “indústria da enchente”, onde a falta de ações efetivas e a busca por recursos federais se repetem a cada desastre.

Enquanto isso, especialistas de universidades gaúchas têm apresentado soluções viáveis para mitigar os efeitos das enchentes, como o alargamento de calhas de rios e a revitalização de estruturas. Um exemplo citável é o estado de Santa Catarina, que, após enfrentar problemas sérios com enchentes nos anos 1980, implementou medidas simples que resolveram a situação.

Muitas comissões locais já têm propostas prontas para prevenir as enchentes, que poderiam ser iniciadas sem burocracias, especialmente em situações de emergência. O procurador critica ainda o fato de que a viagem do prefeito de Porto Alegre e do governador à Holanda em busca de soluções não reflete uma verdadeira valorização do conhecimento acadêmico disponível em casa.

A pressão do MPF sobre o governo estadual continua. O órgão está coletando informações de prefeitos e lideranças locais para compilar projetos prontos ou em andamento, a fim de mostrar que a alegada falta de propostas não justifica a paralisação das verbas.

Pesquisadores do estado lançaram, recentemente, uma coletânea de artigos que apresenta soluções para os desafios que o Rio Grande do Sul enfrenta em relação às enchentes e às mudanças climáticas. O objetivo é estabelecer um legado após a criação da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução, que foi instituída para lidar com a crise.

Os autores do livro, ao compartilhar seu conhecimento, querem incentivar a colaboração entre universidades e o governo. O lançamento, realizado em março de 2025, visou apresentar pesquisas e soluções que poderiam ser úteis à gestão pública, embora o governo do estado não tenha comparecido ao evento oficial.

Dentre as soluções técnicas apresentadas na publicação, destaca-se um sistema de modelagem desenvolvido pela Universidade Federal do Rio Grande (UFPel), que prevê como e quando a água pode inundar áreas urbanas. Observou-se que esse sistema foi crucial para o município de Rio Grande, ajudando a evitar mortes durante enchentes.

Além disso, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS também é referência em previsões sobre o nível das águas do Guaíba, servindo como uma importante ferramenta para as decisões da cidade em situações de enchente.

O livro também aborda medidas não estruturais, como a criação de protocolos de emergência, treinamento da defesa civil e campanhas de conscientização, ressaltando que essas ações podem ajudar a minimizar perdas durante eventos extremos.

Marques, um dos responsáveis pela coletânea, enfatiza que o desafio atual vai além da situação de governo e revela um problema crônico de desconexão entre as instituições acadêmicas e o poder público, que se torna mais evidente em tempos de crise climática.

Ele alerta que, apesar de o Rio Grande do Sul ser um importante produtor de especialistas em meteorologia, ainda falta um sistema público de meteorologia, recorrendo-se à contratação de serviços privados.

A mensagem central do projeto é clara: não existem soluções rápidas para os problemas relacionados às mudanças climáticas. É importante que haja um planejamento a longo prazo, com colaboração entre governo e ciência, para evitar que desastres como os de 2024 voltem a ocorrer na mesma proporção.

O governo do estado, em nota, afirmou que desde maio de 2024 vem realizando ações de reconstrução com investimentos que já ultrapassam R$ 8,3 bilhões. O governo também destacou a criação de programas como o Plano Rio Grande e o Desassorear RS, além de diversos projetos em andamento em 65 municípios.

Sobre os recursos destinados a estudos, a gestão estadual informou que esses recursos foram utilizados com acompanhamento da União. O governo também esclareceu que a responsabilidade pela elaboração de projetos de proteção contra cheias é uma delegação feita pela União aos municípios, não uma exigência do estado.

Finalmente, o governo fez menção de que, com os anteprojetos finalizados, a próxima etapa será a implementação do projeto executivo, que precederá o início das obras. Todas as etapas estão sendo acompanhadas por um comitê científico formado por especialistas e pesquisadores.