Fundos estrangeiros investem no saneamento brasileiro com recursos públicos

Depósitos estrangeiros investem em saneamento no Brasil com benefícios fiscais e uso de crédito público. Um estudo recente mapeou que R$ 21,1 bilhões dos R$ 38,9 bilhões captados por meio de debêntures incentivadas, desde 2017, foram destinados a pagar outorgas de concessões em vez de melhorias no setor.

Debêntures são títulos de dívida que permitem que empresas captem recursos com investidores, pagando juros e devolvendo o valor principal quando vencem. A pesquisa revela que mais da metade do dinheiro captado por empresas não foi investido em infraestrutura, mas sim usado para controlar o mercado.

Livi Gerbase, pesquisadora envolvida no estudo, aponta que os incentivos fiscais acabaram favorecendo a privatização do setor. Desde a implementação da Lei 14.801, em 2024, as empresas podem descontar juros de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro, tornando-se mais vantajoso para elas pegarem dinheiro emprestado.

O estudo, intitulado “O sequestro do financiamento do saneamento básico”, destaca que o dinheiro captado tem sido usado principalmente para quitar as outorgas. Enquanto isso, o acesso à água no país continua a oscilar, indo de 83,6% da população em 2019 para 83,1% em 2023, contrariando as promessas do Marco Legal do Saneamento Básico, que visa alcançar 99% de cobertura para água e 90% para esgoto até 2033.

Fernando Biron, líder do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente da Bahia, critica a situação, destacando que as empresas utilizam recursos públicos para comprar serviços que antes eram públicos, transferindo o ônus para consumidores e trabalhadores. Biron sugere a criação de um fundo nacional de saneamento e um papel mais ativo dos bancos públicos no financiamento de longo prazo.

Na análise de Biron, a BRK, empresa que venceu a concessão da Região Metropolitana de Maceió em 2020, exemplifica os desafios do modelo atual. A empresa captou R$ 3,75 bilhões em debêntures, mas uma parte significativa desse valor foi utilizada para quitar suas outorgas em vez de serem aplicadas em melhorias que beneficiariam a população. Nos primeiros três anos da concessão, a BRK investiu apenas R$ 409 milhões em infraestrutura, bem abaixo do necessário para cumprir o acordo de R$ 2 bilhões em seis anos.

A carga dos juros também chama a atenção: a BRK pagou R$ 1,139 bilhão em juros em 2024, um valor maior do que os gastos com pessoal e com investimentos. A empresa aumentou as tarifas em 71,35% entre 2017 e 2024, o que gerou um impacto significativo nas contas dos consumidores.

O estudo também revela problemas em outras regiões. Em várias cidades, como Tocantins e Blumenau, estão sendo investigadas falhas no serviço de saneamento, incluindo interrupções, qualidade da água e descumprimento de metas. Municípios atendidos por empresas privadas de saneamento cresceram 525% nos últimos cinco anos, indicando uma crescente presença de grandes grupos estrangeiros no setor.

A BRK, ao ser contatada, defendeu suas ações, alegando que os municípios atendidos estão entre os melhores avaliados. A empresa argumenta que as debêntures são um instrumento legítimo e que a taxa de juros elevada está relacionada ao aumento da Selic.

Por fim, o relatório recomenda que o governo impeça o uso de debêntures incentivadas para o pagamento de outorgas, sugerindo que recursos públicos sejam direcionados para obras com maior transparência e controle social.