
A Luta pela Proteção das Florestas e dos Direitos Indígenas
A indigenista e ambientalista Neidinha Suruí sonha em viver em uma casa sem portas. Entretanto, as constantes ameaças a forçam a se proteger atrás de muros altos, cercas elétricas e câmeras de vigilância. "A minha casa virou uma prisão", afirma Ivaneide Bandeira, conhecida como Neidinha. Ela está entre as 1.468 pessoas monitoradas pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, do Ministério dos Direitos Humanos, que foi criado para oferecer proteção a quem defende direitos em situações adversas.
Com mais de 50 anos dedicados à proteção da floresta e das comunidades que nela habitam, Neidinha e outros defensores enfrentam ameaças, agressões e até tentativas de homicídio. Nos 20 anos do programa, 21 defensores em proteção foram assassinados. Segundo informações do Ministério dos Direitos Humanos, 72,69% das pessoas cadastradas atuam em áreas rurais, com muitas sendo lideranças ambientalistas.
Neidinha, que vive em Rondônia, é uma dessas líderes. Ela luta pela demarcação de terras indígenas e pela preservação da Amazônia. Entre 2021 e 2024, 29 pessoas foram mortas em conflitos agrários na região. "Os defensores são um bando de malucos do bem", diz Neidinha, referindo-se àqueles que dedicam suas vidas a causas sustentáveis e à proteção do meio ambiente, apesar dos riscos envolvidos.
Em 1992, ela ajudou a fundar a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que protege mais de 50 povos indígenas, como os Uru-eu-wau-wau. Este grupo, em particular, enfrenta graves ameaças de invasões em suas terras. O professor e ativista Ari Uru-eu-wau-wau, que monitorava essas atividades, foi assassinado em 2021.
Neidinha reitera a gravidade da situação: "Morreram Uru-eu-wau-wau, a irmã Dorothy Stang, Chico Mendes, Paulino Guajajara…" A lista de defensores que perderam a vida é extensa. De acordo com um levantamento, o Brasil é o segundo país mais perigoso para defensores ambientais, perdendo apenas para a Colômbia. Entre 2021 e 2024, 126 pessoas foram assassinadas por defender florestas e comunidades tradicionais.
O primeiro ataque grave sofrido por Neidinha ocorreu em 1996, quando, juntamente com um amigo, foi cercada por homens armados enquanto tentava resgatar indígenas que viviam em condições de semi-escravização. Desde então, as ameaças não cessaram. Ela relata que sua casa já foi invadida, e sua filha, a liderança indígena Txai Suruí, foi ameaçada enquanto estava com ela. "As intimidações acontecem o tempo todo", conta.
Além da proteção oferecida pelo programa do governo, muitos defensores que não estão cadastrados também enfrentam violências diariamente. Um relatório recente apontou 486 casos de agressões contra defensores de direitos humanos entre 2023 e 2024, com a maioria das vítimas sendo pessoas que defendem o meio ambiente e os direitos territoriais.
Na Amazônia, a violência tende a vir de pistoleiros, grileiros e fazendeiros, além de grupos de exploração da floresta. Muitas vezes, os agentes do Estado, como políticos e polícia, também estão envolvidos em atos de intimidação.
Para Neidinha, a solução não é retirar os defensores de seus territórios. Após um período vivendo sob proteção na Bahia, ela percebeu que o ideal seria continuar sua luta na Amazônia. "Tirar um ativista de onde ele pertence só faz mal", destaca.
O Pará é o estado com o maior número de casos de violência contra defensores, totalizando 103 entre ameaças, agressões, tentativas de homicídio e assassinatos. Joana, uma agricultora e extrativista da região, está sob proteção desde 2017. Ela lidera o movimento por um assentamento que garanta o direito à terra, o que a fez alvo de ameaças e retaliações.
Joana afirma que, apesar das visitas periódicas de policiais, a proteção é insuficiente. Ela tem que enfrentar horas de viagem para chegar à cidade, muitas vezes sem escolta. "Minha vida está nas mãos de Deus. Se eu depender apenas da proteção, já estaria morta", diz.
Desafios como limitações orçamentárias e a complexidade das relações sociais dificultam o trabalho de proteção aos defensores. Joana, por exemplo, teve que denunciar o delegado que estava ligado à empresa que a ameaçava.
O crescente número de violência evidencia a necessidade de um tratamento mais efetivo para os direitos dos defensores, que frequentemente são alvo de ataques tanto de grupos privados quanto de agentes públicos. Joana lembra a história de Chico Mendes, que foi assassinado mesmo sob a vigilância da polícia, ressaltando a desconfiança que muitos defensores têm em relação às forças de segurança.
As vozes desses defensores revelam uma luta intensa pela proteção da floresta e das comunidades tradicionais, mostrando os riscos que enfrentam diariamente.