Ana Maria Gonçalves é a primeira mulher negra na ABL

A Academia Brasileira de Letras (ABL) fez história ao eleger a primeira mulher negra para uma de suas cadeiras após 128 anos. Ana Maria Gonçalves, autora do renomado romance “Um Defeito de Cor”, foi escolhida na tarde de quinta-feira para ocupar a cadeira 33, que antes pertencia ao linguista Evanildo Bechara.

A escritora mineira, de 54 anos, se destacou na disputa, recebendo 30 votos, enquanto a única concorrente que obteve votos foi a escritora indígena Eliane Potiguara, que teve um voto. Além delas, havia 11 outros candidatos, incluindo nomes como Ruy Lobo, José Antônio Hartmann e Gilmar Cardoso.

“Um Defeito de Cor”, publicado em 2006, é considerado um marco na literatura negra brasileira. A obra analisa a história do Brasil sob a perspectiva da diáspora africana, discutindo os impactos da escravidão na formação da identidade nacional. O romance já vendeu 180 mil cópias e inspirou diversas expressões culturais, como exposições de arte e enredos de escolas de samba. Nele, a narradora Kehinde relata sua trajetória de vida, que inclui seu sequestro na África e a busca pelo filho perdido, traçando também uma relação com a figura de Luiza Mahin, conhecida como mãe do advogado abolicionista Luiz Gama.

Fernanda Miranda, crítica literária e professora da Universidade Federal da Bahia, destaca o impacto de Gonçalves na literatura brasileira, evidenciando que sua obra ajudou a estabelecer um diálogo produtivo entre autoras negras e o gênero romance, que historicamente foi limitado a poucas vozes.

Além disso, a escolha de Gonçalves reflete uma mudança na ABL, apresentando um entendimento mais amplo sobre literatura e representatividade. Essa eleição é vista como um reforço à presença de autoras negras, que há alguns anos enfrentavam resistência ao buscar reconhecimento na academia. Em 2018, a escritora Conceição Evaristo tentou uma cadeira na ABL, mas recebeu apenas um voto e não foi eleita.

Nos últimos anos, a ABL tem se esforçado para diversificar suas escolhas, incluindo também figuras como Ailton Krenak, que se tornou o primeiro indígena a ser empossado na instituição no ano passado. A inclusão de mulheres, embora tenha aumentado, ainda é limitada, somando apenas 13 ao longo da história da academia.

O recente movimento em direção à diversidade e inclusão dentro da ABL tem suscitado um debate mais amplo sobre a representatividade de mulheres, negros e indígenas em espaços de poder na literatura. Professores e críticos, como Michele Asmar Fanini e Fernanda Miranda, observam a importância desse momento histórico, mas também enfatizam a necessidade de acompanhamento para garantir que esses avanços levem a mudanças reais e duradouras no cenário literário brasileiro.