
Dois dias após as eleições presidenciais na Bolívia, Evo Morales, ex-presidente do país, concedeu uma entrevista em Lauca Eñe, uma cidade localizada na província de Cochabamba. Esta região é conhecida como o centro de produção de coca e origem de muitos líderes sindicais bolivianos, incluindo o próprio Morales.
Após o primeiro turno das eleições, realizado em 17 de agosto, foi registrado um histórico índice de 20% de votos nulos ou abstenções, o maior da história do país. Especialistas apontam que Morales teve um papel fundamental nesse resultado. Ele, que não pode concorrer a um quarto mandato devido à limitação de três mandatos consecutivos, acredita ter sido alvo de um golpe organizado por seu sucessor e ex-aliado, o atual presidente Luís Arce.
Morales enfrentou uma longa disputa pelo controle do Movimento ao Socialismo (MAS), partido que sempre o apoiou. Ao se distanciar do MAS, suas chances de candidatura diminuíram drasticamente. Durante a última fase da campanha, ele começou a promover o voto nulo, chamando atenção para as candidaturas do senador Andrónico Rodríguez, que considera um traidor, e de Eduardo del Castillo, que representa o MAS, a quem ele vê como de direita.
Como resultado dessa estratégia, candidatos de direita, Rodrigo Paz e Jorge “Tuto” Quiroga, avançaram ao segundo turno, marcado para 19 de outubro. Ambos os candidatos pertencem a famílias influentes e fazem parte da elite do país.
No contexto atual, Evo Morales está confinado em um prédio que é cercado por militantes camponeses e indígenas que protegem sua segurança. Há um mandado de prisão contra ele por tráfico de menores, crime que ele nega. Apesar de seu isolamento, ele se mantém ativo, cuidando de uma pequena criação de peixes e plantações, além de se exercitar.
Em sua entrevista, Morales revelou que, após ter sido exilado por quase um ano e, posteriormente, confinado, sente-se solitário: “Não consigo entender como a ambição leva à traição”.
Ele recordou um incidente recente, no qual houve uma operação militar com a presença de policiais e forças armadas em sua proximidade, e o povo se mobilizou para protegê-lo. Desde então, um forte movimento de resistência se formou ao redor de sua casa.
Sobre as acusações que enfrentou, Morales se defendeu. Ele afirmou que, após o golpe de Estado em 2019, investigações feitas não encontraram qualquer indício de corrupção ou ligação com o narcotráfico, descredibilizando as alegações contra ele.
Quanto ao resultado eleitoral, ele interpretou os 20% de votos nulos como uma forma de protesto contra a direita, reconhecendo que sua campanha pelo voto nulo teve uma aceitação maior do que esperava.
Ante as críticas que surgiram após as eleições, Morales afirmou que não busca a liderança do MAS, mas está preparado para contribuir com o que considera essências da esquerda. Ele também apontou que, sem o seu nome, as pesquisas indicam uma queda significativa nos índices de apoio aos candidatos do governo.
As condições políticas na Bolívia continuam tensas, e Morales expressou a determinação de resistir, destacando a importância da unidade do povo para enfrentar a oposição que, segundo ele, buscará desmantelar as conquistas sociais alcançadas em seus anos de governo.
Morales corroborou a ideia de que o legado de sua administração não será facilmente destruído e reiterou que a luta pela perseverança dos direitos dos pobres e indígenas deve continuar. Ele enfatizou que a mobilização e a unidade são cruciais para a resistência contra o que considera um ataque contínuo às conquistas sociais.