Vivências trans: passado e presente em foco

Em 28 de junho, celebra-se o Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, uma data que representa a luta e a visibilidade de grupos historicamente marginalizados, especialmente as comunidades trans e travestis. Este dia recorda a coragem e a resistência dessas pessoas, que desafiam os padrões tradicionais de gênero e enfrentam desafios significativos em suas vidas.

Em Belo Horizonte, o orgulho e a luta da comunidade LGBTQIAPN+ estão se tornando mais evidentes a cada ano, mesmo em meio ao preconceito e à falta de políticas públicas que garantam seus direitos. A história de Sissy Kelly, uma mulher travesti que enfrentou violências institucionais e a estigmatização social ligada ao HIV, exemplifica a luta e a resiliência das pessoas trans.

Nascida em 1957 em Lagoa Branca, um distrito de Aimorés, em Minas Gerais, Sissy era a mais nova de 13 filhos de uma família de agricultores. Desde pequena, sentiu-se diferente, desafiando os padrões tradicionais de gênero, mesmo sem se identificar plenamente como travesti. Sua vida tomou um rumo difícil quando, aos 15 anos, passou a ser internada repetidamente em instituições psiquiátricas por se vestir de maneira que a sociedade considerava inadequada. Nesses lugares, sofreu tratamentos desumanos, incluindo eletrochoques.

Durante a ditadura militar, Sissy também enfrentou abuso policial e um ambiente hostil que silenciava sua identidade. Em 1991, foi diagnosticada com HIV, o que a levou a uma breve tentativa de se conformar às normas sociais e religiosas da época, mudando sua aparência e interrompendo seu tratamento hormonal.

A experiência de Sissy ilustra um aspecto alarmante da história da epidemia de HIV/AIDS no Brasil. A doença foi alvo de estigmas sociais profundos, muitas vezes retratada pela mídia como “câncer gay” e “peste rosa”, o que dificultou a luta do movimento LGBTQIA+. Historicamente, a desinformação e a falta de compreensão desencadeadas por esses estigmas retardaram a mobilização e a conquista de direitos fundamentais para essa comunidade.

Apesar do cenário adverso, Sissy e outros membros da comunidade LGBTQIAPN+ foram pioneiros em desenvolver estratégias de prevenção e informações sobre HIV, demonstrando a força de um grupo que luta por sua sobrevivência em meio ao preconceito. Sissy tornou-se uma referência, não apenas em sua luta pela visibilidade e dignidade, mas também pelo apoio que oferecia a outros, como Gab Lamounier, um ativista e amigo.

Gab destaca que a marginalização da população trans e travesti é uma questão estrutural, que permeia a sociedade e a mídia. Ele comenta que esses grupos sempre existiram, mas frequentemente enfrentaram uma representação negativa, que reforça a exclusão. A luta por aceitação e compreensão é contínua e necessária.

A partir da década de 1990, a sociedade começou a acolher melhor as pessoas trans, especialmente com a inclusão do “T” na sigla LGBTQIA+. Embora alguns avanços tenham sido alcançados, como a criação de leis que garantem o direito ao nome social, muitos ainda enfrentam barreiras significativas, especialmente em relação à inclusão e aos direitos sociais.

Sissy foi uma defensora incansável dos direitos das pessoas trans e da causa LGBTQIAPN+. Em 1994, ela reencontrou sua verdade e engajou-se de maneira intensa no ativismo, ajudando a fundar a Anav Trans, uma entidade dedicada à população trans e àqueles em situação de rua. Sua atuação foi significativa em várias frentes, como o Grupo de Apoio à Prevenção da Aids e outras organizações que lutam por moradia digna.

A relação de Sissy com Gab foi uma fonte de apoio mútuo, e ele fala sobre como sua amiga o ajudou a compreender e aceitar sua identidade. Juntos, eles buscaram criar espaços de acolhimento e solidariedade, como a casa AkaSulo, um centro de convivência para a comunidade LGBTQIAPN+ em Belo Horizonte.

Apesar de enfrentar problemas de saúde ao longo da vida, Sissy nunca deixou de lutar. No final de sua vida, seu foco estava na visibilidade das pessoas trans e no direito à moradia digna para os idosos da comunidade. Sua sobrinha, Marcela Santos, reitera a determinação e o impacto que Sissy teve em sua vida e na luta por justiça social.

Sissy Kelly, que conquistou o reconhecimento do seu nome social em setembro de 2024, é um símbolo da resistência e da esperança da comunidade LGBTQIA+. Sua trajetória destaca as conquistas e os desafios que ainda persistem. A luta pela dignidade, direitos e reconhecimento continua sendo essencial para muitas pessoas, especialmente as mais vulneráveis.

As reflexões sobre a experiência de ser trans e as barreiras que ainda existem na sociedade ressaltam que, embora haja uma maior visibilidade, a luta por inclusão e igualdade ainda está longe de ser concluída. A memória e o legado de Sissy, junto com outros ativistas, seguirão inspirando novas gerações a continuar a batalha pela aceitação e justiça para todos.