Quilombolas e indígenas lutam por reparação após desastre da Samarco

Antes de 5 de novembro de 2015, o Rio Santo Antônio era um local de lazer e sustento para os moradores do Córrego Grande, no Quilombo Esperança, em Minas Gerais. Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão, muitos quilombolas ainda evitam pescar nas águas do Rio Doce, que foram contaminadas.

Aparecida Fátima Madeira, moradora da comunidade, comentou a situação: “Na comunidade, hoje, a gente não utiliza mais o rio para pescar devido à contaminação dos peixes”. Ela relembra um incidente em que seu marido trouxe um peixe em mau estado. “Ele pescou um peixe grande, e eu pedi para ele não ir ao rio. Quando ele chegou, o peixe estava podre”, narra.

Localizada a cerca de 250 quilômetros de Mariana, a comunidade de Belo Oriente foi uma das afetadas pelo desastre, que liberou cerca de 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério, impactando profundamente 43 municípios e levando à morte de 19 pessoas. A poluição se estendeu por 663 quilômetros do Rio Doce até chegar ao Oceano Atlântico, afetando diretamente a vida de muitos pescadores na costa do Espírito Santo.

Adeci Sena, pescador da cidade de São Mateus, relatou que a lama chegou até seu município em 2016. “Se eu não tivesse outra renda, eu não saberia como viver. Muitos pescadores estão passando por dificuldades”, declarou.

As consequências do desastre não são apenas materiais. Muitas comunidades, como o Quilombo Esperança, enfrentam uma mudança drástica em seus modos de vida, uma vez que a pesca, antes uma atividade de lazer e sustento, foi abandonada. Eliane Coelho, também moradora da comunidade, afirma que a relação deles com o rio era harmoniosa até o desastre. “Pescaram muito peixe com contaminação e hoje nosso rio está praticamente morto”, lamenta. Ela ressalta também a falta de reconhecimento por parte das autoridades sobre a situação da comunidade.

O Quilombo Esperança é uma das comunidades que ainda não receberam os recursos prometidos pelo Anexo 3 do Novo Acordo de Reparação, firmado pelo governo federal em outubro de 2024. Este acordo visa reparar os danos causados a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais afetadas pelo rompimento da barragem.

O mapeamento das comunidades afetadas deve ser feito pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) e abrange 35 grupos que sofreram com a poluição causada pelos rejeitos. Embora esses grupos não sejam considerados formalmente impactados, Henrique Lacerda Arruda, coordenador da Aedas, enfatiza que as dificuldades enfrentadas por eles são tão sérias quanto as de outras comunidades que receberam reparação.

Relatos de problemas de saúde também são frequentes na região. Aparecida conta que seu marido faleceu devido a complicações que surgiram após o desastre. “Ele era saudável, e depois começou a ter problemas de saúde”, disse. Ela mesma enfrenta problemas de saúde, incluindo cirrose hepática e dificuldades emocionais. “A situação me deixa ansiosa e triste. Eu não consigo trabalhar por causa da fibromialgia”, conclui.

Além das questões de saúde, a renda das famílias foi severamente afetada. Um estudo da Aedas revelou que 89,92% das famílias na área perderam rendimento devido ao desastre, e a renda média per capita caiu significativamente.

Dentro do Quilombo Esperança, a situação é ainda mais complicada. O único posto de saúde da comunidade foi fechado após o desastre, e os alunos foram transferidos para escolas urbanas como medida de cortes orçamentários, afetando a educação local.

Outra comunidade afetada foram os indígenas Pury do Leste, que foram reconhecidos oficialmente e têm direito à reparação. Entretanto, muitos ainda não receberam acesso adequado aos recursos devido à falta de consulta nos processos de acordo.

A repactuação assinada pelo governo em 2024 destinou recursos significativos para indenizações e recuperação ambiental. No entanto, críticas surgem sobre o fato de que o montante pode não ser suficiente para lidar com as extremas vulnerabilidades enfrentadas pelas comunidades afetadas.

Em resumo, os impactos do rompimento da barragem de Fundão continuam a afetar gravemente a vida e o sustento de muitas famílias nas comunidades atingidas, enquanto o processo de reparação parece ainda distante de ser cumprido de maneira justa e integral.