Escritórios sociais e a reintegração de egressos do sistema prisional

A pena, como instrumento jurídico e político, desempenha várias funções que refletem diferentes visões sobre justiça e controle social. Os principais objetivos da pena incluem punir o infrator pelo crime cometido, desestimular comportamentos ilegais e reintegrar o condenado à sociedade após o cumprimento da pena. Embora esses objetivos coexistam na teoria, na prática, eles frequentemente entram em conflito. Nesse cenário, a discussão sobre o papel da prisão e seus impactos na vida dos indivíduos processados é muito relevante.

Um ponto importante é que, após cumprir a pena, a maioria das pessoas volta ao convívio social. As conversas sobre a ressocialização geralmente partem da dúvida sobre se a prisão realmente prepara o indivíduo para essa reintegração. No entanto, é crucial lembrar que a sociedade muitas vezes não está disposta a acolher novamente essas pessoas, que já cumpriram suas penas e, portanto, satisfizeram a expectativa social de retorno.

A prisão é vista como um sistema caro e com resultados pouco confiáveis em termos de ressocialização. A volta de indivíduos que saem do sistema prisional para suas comunidades e empregos é marcada por uma desconfiança que persiste, mesmo após o cumprimento da pena. De acordo com o sociólogo Michel Misse, essa suspeição não se limita ao ato criminoso que a pessoa cometeu, mas gera uma classificação social que marca o indivíduo como “suspeito” permanentemente. Essa experiência de encarceramento se transforma em uma identidade que acompanha a pessoa em diversos aspectos de sua vida, tornando difícil a sua aceitação social.

Neste contexto, surgem os Escritórios Sociais, que foram criados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para oferecer atendimento especializado a pessoas que estão prestes a cumprir suas penas, aquelas que já estão livres e seus familiares. Esses escritórios têm como objetivo garantir que a falta de assistência dos serviços públicos não mantenha essas pessoas excluídas da sociedade após cumprirem suas penas.

Os Escritórios Sociais buscam mudar a relação entre o Estado e os egressos do sistema prisional. Antes, essa interação era pautada pela desconfiança. Agora, o foco é a reintegração e o acesso a serviços básicos que permitam uma melhor reinserção social. O objetivo é construir um novo modelo que enfrente os desafios que surgem após a prisão através de assistência social e acesso a serviços, em vez de perpetuar a suspeição.

Importante notar que essa iniciativa envolve a colaboração entre três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Cada um possui suas limitações e potenciais. Contudo, a falta de integração entre as diferentes esferas do poder público ainda é um desafio. Por exemplo, as informações sobre os egressos e suas residências muitas vezes não são bem registradas, tornando difícil mapear quem são as pessoas que estão prestes a retornar às suas comunidades.

A melhoria na comunicação entre o Sistema de Justiça e a administração penitenciária é essencial para otimizar os serviços prestados pelos Escritórios Sociais. Um exemplo disso é o Escritório Social de Niterói, que foi inaugurado em 2021. Este escritório enfrentou dificuldades para obter informações sobre os egressos que vivem na cidade, apesar de Niterói possuir várias unidades prisionais. Um melhor mapeamento da localização dos apenados poderia facilitar o planejamento e o acompanhamento individualizado, melhorando as intervenções necessárias.

Para resolver essas questões, os Escritórios Sociais estão buscando manter contato ativo com os egressos e seus familiares, por meio de ações móveis chamadas “Escritório Social Itinerante”. Essas ações têm o objetivo de aproximar o serviço da população, especialmente das pessoas que, por dificuldades sociais, não conseguem se deslocar até os escritórios fixos. A confiança na relação entre cidadãos e poder público é fundamental para que esses serviços sejam eficazes.

Além disso, a equipe dos Escritórios é composta por profissionais de diversas áreas, que trabalham para qualificar e encaminhar egressos e pré-egressos ao mercado de trabalho. O caso de Niterói serve como um exemplo de como os municípios podem impactar positivamente as políticas penais, preocupando-se com os cidadãos e criando novas oportunidades para suas famílias. É vital fomentar iniciativas exitosas como esta em um país que abriga uma das maiores populações carcerárias do mundo, assegurando que a experiência de encarceramento não resulte na perda da cidadania.

Essa abordagem multidisciplinar e a necessidade de estratégias eficazes são essenciais para auxiliar aqueles que buscam reintegrar-se à sociedade e garantir que o cumprimentos das penas não sejam o fim de suas perspectivas de vida, mas sim uma oportunidade para um novo começo.