Rio: mortes, aulas suspensas e filas no IML após chacina policial

Moradores do Complexo da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, enfrentaram uma madrugada difícil nesta quarta-feira (29). Após uma operação policial massiva que resultou na morte de 64 pessoas no dia anterior, muitos se dirigiram a áreas de mata locais para identificar e remover corpos. Ao todo, aproximadamente 60 corpos que não estavam contabilizados oficialmente foram trazidos por moradores e deixados na Praça São Lucas, na Penha, para que suas famílias pudessem reconhecê-los.

As escolas da região suspenderam as aulas, especialmente em um momento crucial, já que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se aproxima. Muitas famílias estão à procura de informações sobre parentes desaparecidos nos locais de identificação, como o Instituto Médico Legal (IML) e o Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

Carlos Nhanga, coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado, descreveu a situação como um “cenário de morte, terror e impacto mental”. Ele destacou o impacto da operação no cotidiano de crianças e adolescentes que, ao caminharem pelas ruas, se deparam com corpos expostos. Para Nhanga, essa realidade reflete as falhas na política de segurança pública do estado.

Segundo ele, as ações policiais são responsáveis por uma grande parte da violência armada. Um estudo do Instituto Fogo Cruzado revela que cerca de um terço dos tiroteios registrados no Grande Rio envolvem forças policiais, e uma parte significativa das mortes por armas de fogo ocorre durante essas operações. Nhanga criticou a forma como a eficácia dessas ações é medida, enfatizando que indicadores de sucesso focam em mortes e apreensões, sem considerar o impacto negativo sobre o atendimento em hospitais, como no caso do Hospital Getúlio Vargas, que recebeu diversos feridos após a operação.

Ele se referiu à ação como uma “chacina” e afirmou que representa uma das piores cenas de violência na história do Rio de Janeiro. Nhanga pediu que o governo estadual forneça explicações claras sobre as vítimas formalmente registradas e sobre aqueles que não receberam socorro ou perícia adequados. Ele destacou a necessidade de reconhecer o caos gerado pela operação e os seus efeitos profundos na cidade e suas comunidades.

Historicamente, operações dessa natureza têm se mostrado ineficazes, repetindo padrões de violência sem resultados positivos a longo prazo. Ele citou o exemplo de Jacarezinho, onde a situação de violência permaneceu inalterada apesar de ações anteriores. Nhanga também lembrou que o Comando Vermelho, um dos alvos da recente operação, continua atuando nas mesmas áreas sem qualquer mudança significativa. Além disso, lembrou que o Estado brasileiro já foi condenado internacionalmente por violações de direitos humanos relacionadas a chacinas no passado.

O coordenador sugere que existe potencial para um modelo de segurança pública mais respeitoso com a vida humana, mas que isso exigiria vontade política real. Ele compara as operações do Rio com uma recente ação em São Paulo contra o Primeiro Comando da Capital (PCC), que usou inteligência e investigação para desarticular a facção sem causar tragédias semelhantes. Nhanga enfatiza que é urgente considerar estratégias alternativas para lidar com as facções criminosas, que não envolvam a violência indiscriminada direcionada às comunidades.