
Milhares de assentamentos da reforma agrária estão enfrentando ameaças de grandes projetos, como mineração e energia, que foram instalados sem ouvir as comunidades locais. Essa preocupação foi levantada pela Defensoria Pública da União (DPU) em uma Ação Civil Pública contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a União. O objetivo da ação é suspender novos empreendimentos nessas áreas até que sejam implementados mecanismos reais de consulta às comunidades, de acordo com a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que o Brasil assinou.
A Ação Civil Pública é resultado de um trabalho de mais de um ano e meio que contou com a colaboração de várias organizações. O problema começou com a publicação, em 2021, da Instrução Normativa nº 112 pelo Incra, durante o governo Jair Bolsonaro. Essa norma permitiu a instalação de grandes empreendimentos em terras da reforma agrária sem assegurar a participação das comunidades.
A DPU ressalta que a falta de consulta prévia tem levado a graves problemas, como insegurança nas áreas, deslocamentos forçados e degradação ambiental. Além disso, existem casos em que empresas privadas de segurança atuam para intimidar as populações locais, aumentando os conflitos agrários e prejudicando a vida comunitária.
A defensora Carolina Castelliano afirmou que as comunidades vulneráveis estão sendo pressionadas, e mencionou a destruição dos recursos naturais, a contaminação da água e a dificuldade de acesso a crédito rural como consequências diretas da falta de consulta.
Em suas respostas por e-mail, o Incra reconheceu a necessidade de protocolos para garantir a participação social nos empreendimentos, mas defendeu que a revogação da Instrução Normativa nº 112 geraria mais vulnerabilidade a esses assentamentos. O órgão argumenta que a norma foi criada para estabelecer parâmetros mínimos de atuação, mas que concorda com a necessidade de revisão.
A DPU, por sua vez, contesta a posição do Incra, afirmando que os assentamentos da reforma agrária também são protegidos pela Convenção 169 e que a ausência de consulta não respeita normas internacionais e preceitos constitucionais.
A ação busca que a União e o Incra sejam obrigados a adotar medidas para garantir os direitos das comunidades atacadas.
Enquanto isso, a mineração tem se expandido em áreas destinadas à reforma agrária. Dados da DPU indicam que mais de 17 mil projetos minerários foram autorizados em locais de assentamento. Este cenário gera o temor de que as famílias que residem nessas áreas corram risco de serem deslocadas ou de perderem suas fontes de sustento.
Atualizações apontam que, até janeiro de 2022, existiam cerca de 20 mil requerimentos de mineração em áreas de assentamentos. Dos 8.372 assentamentos reconhecidos oficialmente, pelo menos 3.309 estão sob ameaça por interesses minerários.
A ofensiva em busca de recursos naturais aumentou após a criação da Instrução Normativa em 2021, com a abertura de quase mil novos processos relacionados a grandes empreendimentos. Apesar de algumas audiências públicas serem previstas, elas ocorrem apenas em casos de “conflito declarado”.
A defensora Castelliano afirmou que as tentativas de diálogo com o Incra não foram eficazes. Assim, após solicitar a revogação da norma, a DPU decidiu levar o assunto à Justiça, com base na incompatibilidade da norma com a legislação superior, como a Convenção 169 da OIT.
Por fim, a DPU destacou que a falta de progresso na proteção das comunidades mostra a presença de fortes interesses econômicos que afetam a política agrária no país.
A Justiça Federal do Pará recebeu a petição, já que o estado foi palco de conflitos importantes, como o caso da mineradora canadense Belo Sun, que tentou explorar terras de um assentamento sem consultar a população local. Este caso é emblemático, pois foi marcado por relatos de intimidação e conflitos.
Outros exemplos de ameaças a assentamentos podem ser encontrados em diversos estados. No Mato Grosso, os Projetos de Assentamento Laranjeiras 1 e Ipê Roxo estão ameaçados por uma empresa de mármore, enquanto no Piauí, um assentamento em Piripiri enfrenta os impactos de uma mineradora, onde os estudos de impacto ambiental foram feitos sem considerar as opiniões das famílias envolvidas.
Esses casos ilustram a urgência de discutir os direitos das comunidades assentadas em face da crescente exploração econômica de suas terras.