
A Tour de France é frequentemente considerada o maior evento esportivo anual do mundo. Em julho, cerca de 12 milhões de pessoas vão às estradas para assistir à competição, enquanto a audiência total na televisão ultrapassa 3 bilhões de espectadores em 190 países.
Em 2025, 184 ciclistas competirão em equipes de oito, correndo uma rota difícil de 3.500 km, que inclui quase 50.000 metros de subida, o que equivale a escalar o Monte Everest seis vezes. Ao longo de 21 etapas, os ciclistas enfrentam contrarrelógios, sprints planos e desafiadoras montanhas nos Alpes, Pirenéus e Massif Central.
Embora os ciclistas profissionais tenham uma resistência extraordinária e sejam capazes de manter altos níveis de performance dia após dia, muitos ciclistas amadores têm começado a percorrer o trajeto da Tour em dias anteriores à competição. Um desses projetos é o "Tour 21", que permite que ciclistas sigam os passos dos profissionais enquanto arrecadam dinheiro para causas sociais.
Em 2021, eu e mais 19 ciclistas completamos o trajeto inteiro para apoiar a Cure Leukaemia, com o objetivo de arrecadar £1 milhão para pesquisas sobre câncer de sangue. Como sobrevivente de câncer diagnosticado aos 16 anos, essa experiência uniu minha paixão pelo ciclismo, meu conhecimento em ciência e meu desejo de retribuir à comunidade que me ajudou. Trata-se também de uma oportunidade única de observar como ciclistas amadores lidam com um dos eventos de resistência mais exigentes do mundo.
Os resultados da pesquisa sobre essa experiência foram publicados em uma revista especializada, marcando o início da competição que terá lugar em Lille em 2025.
O desafio de treinar para o impossível
O estudo pretendia realizar avaliações fisiológicas em laboratório dos ciclistas amadores enfrentando a rota da Tour, mas a pandemia de COVID-19 fez com que adaptássemos a abordagem, usando dados de diários de treinamento. Esses diários nos permitiram entender quanto os ciclistas treinaram antes da prova e como gerenciaram o estresse físico e mental durante o evento.
Enquanto ciclistas profissionais costumam treinar de 20 a 25 horas por semana, com apoio especializado, os amadores geralmente têm empregos em tempo integral, são em média 15 a 20 anos mais velhos e treinaram cerca de 7 a 10 horas por semana. A preparação foi considerada inadequada, com uma média de apenas 47 km por passeio e 350 metros de elevação – bem abaixo do exigido na competição, representando menos de 10% do que é necessário nas montanhas.
Ao iniciar o desafio, ficou claro que a diferença entre o treinamento e a realidade seria grande. Durante a prova, o grupo passou a pedalar quase sete horas por dia, o que é um aumento de 300% em relação ao treinamento habitual. Em apenas quatro dias, surgiram sinais de excesso de treinamento: os ciclistas não conseguiam mais aumentar suas frequências cardíacas, refletindo fadiga do sistema nervoso central e estresse físico excessivo.
Com o passar dos dias, o desempenho dos ciclistas continuou a declinar. As frequências cardíacas diminuíram, a potência de pedalada caiu e a disposição geral foi afetada. A fadiga acumulada era evidente.
Curiosamente, ao comparar os dados dos amadores com os dos ciclistas profissionais, observamos que, embora os profissionais pedalem com uma intensidade muito maior, os amadores enfrentaram um estresse relativo maior. Muitos passaram quase o dobro do tempo no selim, operando próximos de seus limites físicos, com menos tempo para recuperação, além de dificuldades com sono e nutrição.
Na semana final, muitos ciclistas encontraram dificuldade em manter os mesmos níveis de potência dos primeiros dias. Em algumas situações, as frequências cardíacas não conseguiam ultrapassar 100 batimentos por minuto, indicando a fadiga acumulada e a sobrecarga física.
Dicas para se preparar para um desafio de ultra resistência
Se você planeja participar de um grande evento de resistência, como ciclismo, corrida ou caminhada, aqui estão algumas lições aprendidas durante a experiência:
Treine especificamente para o evento
Seu treinamento deve se assemelhar ao desafio. Para a Tour, isso significou se preparar para longos dias seguidos de grandes altitudes.Entenda como a fadiga se acumula
A fadiga não se acumula apenas; ela se compõe. Ouça o seu corpo, ajuste seu planejamento e inclua tempo suficiente para recuperação.Priorize nutrição e recuperação
Estes fatores são vitais para o seu desempenho. É preciso consumir energia suficiente para o esforço, evitando excessos que possam levar ao ganho de peso. A recuperação, por meio de sono, descanso e reabastecimento, também é crucial.- Trabalhe com um treinador experiente
Mais do que equipamentos de ponta, investir em um bom treinador pode ser a melhor decisão. Eles ajudam a personalizar seu plano de treinamento, acompanhar seu progresso e ajustar estratégias quando necessário.
Completar a rota da Tour de France é uma realização monumental para qualquer ciclista, seja amador ou profissional. Em 2021, nossa equipe não apenas percorreu toda a rota, mas também arrecadou mais de £1 milhão para a Cure Leukaemia. Para mim, isso marcou um marco pessoal significativo na minha jornada de combate ao câncer.
Durante aqueles 21 dias, frequentemente lembrei-me das batalhas físicas e emocionais que enfrentei durante o tratamento; momentos em que não sabia se conseguiria sobreviver, quanto mais pedalar pela França. Essa experiência me proporcionou a resiliência necessária para seguir em frente, mesmo quando meu corpo pedia para parar. Pedalar pela Tour me ensinou que somos capazes de muito mais do que imaginamos, especialmente quando temos um propósito.