Morre Jean-Claude Bernardet, crítico de cinema, aos 88 anos

Faleceu na manhã deste sábado, Jean-Claude Bernardet, um dos mais influentes críticos de cinema do Brasil, aos 88 anos. Ele lutava contra o HIV e enfrentava um câncer de próstata que havia retornado. Optou por não se submeter à quimioterapia e também lidava com a perda de visão devido a uma degeneração ocular.

A confirmação de sua morte veio por meio do cineasta Fábio Rogério, que estava ao lado de Bernardet durante sua internação no Hospital Samaritano, em São Paulo. A causa exata da morte ainda não foi divulgada. O velório ocorrerá na Cinemateca Brasileira, e detalhes sobre o horário serão informados em breve.

Jean-Claude Bernardet tinha um histórico de múltiplas atividades artísticas. Ele foi crítico, professor, historiador, escritor, roteirista, diretor, ator e cineasta. Sua vasta contribuição à cultura brasileira foi marcada principalmente por sua crítica de cinema, que se baseava em sua ampla experiência.

Bernardet era professor na Universidade de São Paulo (USP) e um militante de esquerda. Durante a ditadura militar, ele foi cassado e aposentado pelo Ato Institucional Número 5 (AI-5). Com humor, costumava comentar que os militares o transformaram de um professor sem reconhecimento em um opositor famoso.

Após a promulgação da Lei de Anistia em 1979, Bernardet foi reintegrado à Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, onde se aposentou em 2004. Sua homossexualidade era frequentemente usada como alvo em ataques feitos por seus críticos.

Conhecido por suas opiniões contundentes e por seu amor ao debate, ele tinha uma visão acadêmica, mas também se mostrava desapegado de suas memórias pessoais. Em uma entrevista em 2018, Bernardet disse que vivia no presente e tinha poucas recordações.

Nascido na Bélgica em 2 de agosto de 1936, ele passou a infância em Paris e se mudou para o Brasil aos 13 anos, onde se naturalizou em 1964. Formado em artes gráficas pelo Senac, começou sua carreira ao trabalhar em uma livraria em São Paulo, onde conheceu o crítico Paulo Emílio Sales Gomes. Este contato o levou a entrar na Cinemateca Brasileira e a se envolver no cineclubismo.

A crítica de Bernardet destacava a variedade de filmes e movimentos cinematográficos, sendo conhecido por suas análises profundas do cinema novo e do cinema marginal. Ele se dedicou a organizar informações sobre a produção de filmes no Brasil, sendo autor do livro “Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro”, publicado em 1995.

Sua relação com cineastas, como Eduardo Coutinho, foi significativa. Coutinho reconhecia a importância das opiniões de Bernardet na sua obra, especialmente após o documentário “Cabra Marcado para Morrer”. Em suas críticas, Bernardet se posicionava próximo aos filmes, buscando uma experiência intensa e visceral.

Ele foi um dos fundadores do curso de cinema da Universidade de Brasília (UnB) em 1965, unindo vozes importantes do cinema brasileiro. Sua obra mais conhecida, “Brasil em Tempo de Cinema”, escrita durante o mestrado na UnB, analisou filmes nacionais de 1958 a 1966, refletindo sobre a busca pelo entendimento da realidade brasileira.

Bernardet também questionou o cinema novo, dizendo que ele expressava questões da classe média e se distanciava dos problemas urbanos. Embora seu trabalho provocasse reações intensas, inclusive de cineastas como Glauber Rocha, ele sempre buscou um diálogo aberto e não se deixou levar por críticas pessoais.

Nos anos mais recentes, Bernardet documentou sua experiência com a AIDS e compartilhou reflexões sobre a saúde e a mercantilização dos serviços médicos em suas obras, como “O Corpo Crítico”. Ele também atuou, ganhando o prêmio de melhor ator no Festival de Brasília em 2008.

Em sua carreira, ele participou de várias produções, incluindo o filme “O Caso dos Irmãos Naves” e dirigiu “São Paulo – Sinfonia e Cacofonia”. Além do cinema, Bernardet criou também um brinquedo infantil, o Combina-cor, lançado pela Grow.

Ele deixa uma filha, Lígia, fruto de seu casamento com Lucila Ribeiro. Jean-Claude Bernardet foi uma figura marcante na cena cultural brasileira e sua contribuição à crítica e ao cinema será lembrada por muitos.